domingo, 1 de janeiro de 2012

Para que serve a velhice?

Foto de Lígia Guerra e Fred Veras "Um ensaio sobre a velhice" - Blog Potiguarte.

Os passos trôpegos denunciavam o peso dos anos. Com um caminhar lento, meu avô, amparado por mim e pelo Walninho, outro neto, descia a rua João Pinheiro em direção à Catedral. Naquela tarde clara e ensolarada, o céu imensamente azul permitia vislumbrar o início do verão. Quase alinhado com a rua, o sol projetava nossas longas sombras sobre a calçada.

Meu avô estava feliz ao lado dos netos. Falava de coisas simples, perguntava sobre nossos estudos. Observava as árvores do jardim central da cidade e suas imensas palmeiras imperiais. Àquela hora, as sombras das palmeiras já eram maiores que seu comprimento, se alongando pelos canteiros floridos e a linda calçada de pedra lascada do jardim.

  • "Eu quero rezar meus filhos."

Vindo de uma família de tradição muito católica, vovô naquela tarde iria à igreja com dois netos protestantes. Iria falar da importância de vida espiritual, para dois netos que tinham vivido experiências religiosas profundas já na primeira infância. Iria contar histórias do velho testamento da bíblia há muito conhecidas. Sabíamos mais detalhes do que os que ele contava. Ouvíamos em silêncio e respeito. Admirávamos aquela vida que desconhecíamos.

Somente muito depois poderíamos saber que aquele homem estava a frente de seu tempo. Educou suas filhas no ensino superior para que elas pudessem garantir posição e independência na vida.

  • "Neste país agrário, a mulher precisa estudar e se formar para ter um lugar na sociedade."

Dizia isto há oitenta anos atrás, quando a realidade da mulher na sociedade brasileira era muito distante desta realidade.

Quando meu pai e minha mãe estavam para se casar sob forte oposição da família, que reconhecia em meu pai a "maldição dos três P's - preto, pobre e protestante", ele garantiu o casamento.

  • "É um homem honrado!"

Entramos na nave da catedral. Admirava os raios de luz iluminando a nave do templo pelos vitrôs coloridos antigos. Que linda a Catedral de São João Batista em Caratinga! Era a primeira vez que eu adentrei uma igreja católica. Um sentimento de admiração e desconhecido.

Meu avô procurou um banco, se ajoelhou no genuflexório e rezou por alguns minutos. Levantou os olhos e percorreu a história de Jesus retratada na arte da igreja. Pouco depois se levantou e saimos.

  • "Um homem nunca deve se esquecer de sua vida espiritual."
Passeamos pelos jardins da praça, ele nos pagou um picolé e voltamos para casa.

Para que serve a velhice?
"Ser o filho, depois ser o pai..." diz a canção.

Para que serve a velhice, senão para trazer à memória o drama de nossa condição humana, para construir a nossa memória coletiva da saga do ser humano. De pai, para filho, para neto... A memória perpassando a cadeia da vida! Pode ter resultados práticos, como orientar a história para que como país não esqueçamos o nosso passado e não cometamos os mesmos erros. Pode não ter resultado prático nenhum. Pode apenas servir para que as novas gerações, que herdam este mistério da vida, tenham um horizonte e um norte, tenham um amor desmedido por esta coisa etérea que nos move, descubram os valores não materiais da vida, descubram o sentimento de vazio em nossos corações que nos mostra que a vida é muito mais do que o pão de cada dia.
A velhice serve para nos fazer mais humanos e elevar nosso pensamento a Deus e ao mistério da vida.

2 comentários:

Denise Vasconcelos disse...

Se chegarmos à velhice que Deus nos conceda a sabedoria de nossos pais. Lindas palavras, Ulisses.

Anônimo disse...

Bom poder conhecer um pouco mais de sua origem e de onde vem seu pensamento vanguardista tb...
Muito boa reflexão para nossos dias...