quinta-feira, 26 de julho de 2012

Por uma Lei de Greve para a Educação


PSDB e PT: unidos na prática de desrespeito aos professores

Todas as greves causam algum tipo de prejuízo. Mas as greves na educação são atípicas. Os prejuízos para a população não são imediatos. Os únicos que sentem de forma mais aguda os seus efeitos são os formandos que, em geral, perdem concursos e empregos por não terem concluído a sua formação. No mais, como educação não é prioridade em nossa cultura, todos acham irrelevante.

Os governos têm se tornado cínicos em relação ao movimento dos operários da educação de forma descarada e anti-ética. Todos os partidos. A greve dos professores da rede estadual de Minas Gerais (governo do PSDB) e da Bahia (governo do PT) durou mais de 100 dias. Estamos diante da maior greve da história na universidade brasileira. Virtualmente todas as universidades federais e a grande maioria dos institutos federais estão parados há 68 dias. Não há uma contagem correta, mas algo em torno de 2,2 milhões de alunos estão diretamente afetados. Note que desta vez, em muitas instituições, até mesmo a pós-graduação interrompeu suas atividades.

O direito de greve do funcionário público, previsto na constituição em 1988, ainda não possui regulamentação. Um desrespeito do congresso nacional e do governos FHC e LULA com toda sociedade brasileira, que necessita de regras claras.

Pois bem, creio que dois princípios são importantes de serem incorporados nesta discussão.
  1. O governo não tem o direito de se retirar da mesa de negociações, como fez Aluízio Mercadante nesta greve, como fez a profa. Ana Lúcia Gazzola em Minas Gerais no ano passado. Assim, o Ministro ou Secretário de Educação deveriam ser responsabilizados pessoalmente pelo processo de negociação. Um mecanismo como o da Responsabilidade Fiscal pelo mesmo motivo: a greve causa prejuízos para a sociedade e não pode ser administrada com a leviandade que temos observado;
  2. Decretada a greve, não havendo acordo entre as partes, a greve necessita de uma instância jurídica de intermediação. A intermediação deveria promover o diálogo, ouvir os argumentos e, em última instância, deliberar sobre a legalidade das reivindicações, sobre os limites e coerência da administração pública.
Enquanto não temos a lei, Mercadante viaja a Londres em meio a 100% de Universidades Federais paradas!

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Há esperança para a Universidade no Brasil?

Universität Duisburg - investimento alemão nos anos 80 para revitalização econômica da região metalúrgica do Ruhrgebiet

Era uma típica cantina alemã naquele dia ensolarado de abril de 1988. O professor Cid Velloso, reitor da UFMG estava em visita à Universität Duisburg e os três estudantes de doutorado brasileiros fomos convidados para um almoço de confraternização. Wagner Nunes, hoje do DF-UFMG, creio que já havia voltado ao Brasil, Waldemar do CDTN e eu estávamos presentes. Estava concluindo a redação de minha tese de doutorado, defendida há 24 anos atrás.

O decano do Depto de Física da Universidade de Duisburg (recentemente falecido Prof. Dr. Gernot Born) se vira para o reitor da UFMG: "Estamos bem impressionados. Temos recebido muitos estudantes da China e do Brasil para o doutorado em Duisburg. O sucesso dos brasileiros é 100%. Os chineses têm muito mais dificuldade. São muito esforçados, mas aparentemente não têm uma formação adequada."

O comentário para mim foi o reconhecimento de que a Universidade no Brasil possui um nível internacional. Desde aqueles anos turbulentos, a produção científica no País aumentou. Na minha geração de físicos, aqueles que continuaram na Universidade pública, atingiram o nível de produtividade científica de países de primeiro mundo. Vários de meus colegas hoje estão com algo em torno de 200 artigos por vota dos 50 anos de idade!

Esta qualidade teve um preço e, na minha oipinião, se cristalizou como consequência direta da política de ciência e tecnologia, resultante da criação do CNPq, nos anos cinquenta e da FINEP durante a ditadura militar, em 1967.

A segunda guerra mostrou ao país que tecnologia não se compra. O movimento para a articulação da política de desenvolvimento científico do País consolid-se a criação do CNPq, seguindo os moldes do CNRS na França e pode ser lido aqui. A iniciativa é do Ministério de Gustavo Capanema, da Educação e Saúde. Assim, no início dos anos 50, nasce o projeto de uma universidade  moderna, que se caracteriza por aliar ensino e pesquisa. Foi desconstruído o modelo das cátedras de conhecimento fossilizado, característica da educação no País até então.

Mas a excelência tem seu preço: a exclusão. O vestibular é a barreira, o ensino de qualidade é para poucos. É o investimento na criação de uma universidade que viabilizasse a criação de empresas com tecnologia embarcada, como a Embraer ou a Petrobrás.

A Universidade Pública no País é infinitamente superior a universidade particular em qualquer sentido que se queira avaliar. Aliás, como já observei em outro post, com a honrosa excessão das universidades confessionais, não há universidade particular que faça pesquisa científica e tecnológica na área de Física, Química e Engenharias no País.

Nos anos noventa, Fernando Henrique Cardoso e Paulo Renato decidem desconstruir este modelo. Argumento central: a maior parte do orçamento do MEC está comprometido com as Universidades. Congelam o número de vagas nas Universidades Públicas, congelam a realização de concursos públicos para professores (que se estendeu por 10 anos, com todas as consequências em termos de desestímulo de novos talentos para o setor...), restringem verbas para manutenção das universidades, criam um programa para baixar as exigências de criação de cursos superiores, incentivam a explosão de Faculdades Particulares, com o objetivo de desonerar o governo de seu compromisso com o ensino superior.

O governo Lula, contra tudo isto que está aí, decide pela ampliação da oferta de vagas no ensino superior público. Novas Universidades são criadas, o REUNI prevê a ampliação de vagas a todo custo. Explicitamente, exige o compromisso das Universidades com metas de baixa reprovação e evasão. De repente, um número enorme de concursos são abertos. Devido ao desestímulo dos anos FHC, hoje as Universidades Federais voltam a contratar mestres, e até graduados, em setores que desde os anos oitenta se exigia uma maior titulação e experiência em pesquisa.

Quais são os impasses?

1) O governo não investiu na infra-estrutura no mesmo ritmo da expansão da oferta. Diversas Universidades Federais criaram Campus fora de sede ou aumentaram suas vagas, sem laboratórios e salas de aula adequados, sem infraestrutura de pesquisa. O governo Lula/Haddad deixa uma herança maldita ao governo Dilma/Mercadante. O governo vai honrar o compromisso de investir na expansão da Universidade Pública com qualidade?

2) O governo não contratou o número necessário de novos professores. Atualmente, as vagas prometidas atualmente aguardam o prazo de seis meses de criação do FUNPRESP, que tira dos novos servidores públicos a aposentadoria integral. As consequências são: (i) salas de aula superlotadas, p.ex. de Cálculo I com 150 alunos, o que gera uma reprovação superior a 45%; (ii) duplicação do encargo didático dos professores.

3) O governo criou a Universidade Aberta do Brasil, que hoje está com mais de 800 polos, sem nenhuma institucionalização. Os professores recebem "bolsas" para trabalhar na UAB, os tutores são contratos de seis meses, não há continuidade e estabilidade nas regras e no financiamento do programa, os polos são precários e as prefeituras não tem honrado os compromissos com a qualidade de estrutura física e pessoal.

4) Tudo isto se soma a uma discussão sobre a carreira docente em meio a uma greve. Não devia ser assim em um governo que teve 10 anos para dizer a que veio.

Penso no que vi na Alemanha décadas atrás. A Universidade onde fiz meu doutorado era parte de um plano para revitalização econômica da região metalúrgica do Ruhrgebiet. Entrei em uma universidade com infraestrutura física moderna, com previsão de cargos C4 na carreira docente, suficientes para a implantação da Universidade, com laboratórios e infraestrutura de pesquisa adequados. O professor na Alemanha precisa de ter uma titulação superior ao doutorado, a Habilitação. Se torna então o chefe de um grupo de pesquisa, com auxiliares com  doutorado e técnicos que dinamizam a produtividade da Universidade.

Por aqui, o governo Dilma e a sociedade brasileira acreditam que podem prescindir de uma Universidade de Qualidade.

Presa no dilema Universidade Pública cara que ninguém quer pagar e a Universidade Particular sem qualidade, não vejo esperança para a Universidade Brasileira. Todos os caminhos apontam para o seu desmonte nos próximos 25 anos. O ambiente político, a insensibilidade da imprensa (vide comentários Record e SBT) e uma greve que serviu para consolidar a visão de desrespeito do governo com , não me parecem que tem o poder de reverter a situação.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Cores e céus em Águas Claras

Neste fim de semana, com minha filha, curtindo as cores e os céus de Águas Claras.


Neblina que sobe

Sol tímido

Enseada

Espelho, espelho meu

Sol se põe

Água, terra, fogo e ar

Nuvens e sombras
Difração nos cristais de gelo, manhã que renova esperança

sábado, 7 de julho de 2012

Educação: na Korea e no Brasil



Parecia uma Torre de Babel. Tinha gente de todo mundo, todas as culturas, todas as línguas. A elite árabe representava a única cultura que não me despertou interesse. Tive amigos italianos, suíços, gregos, chineses, iuguslavos (não havia ocorrido a separação servo-croata), africanos, principalmente de Sierra Leoa e Gana, judeus e palestinos. Mas papo-cabeça mantive mais com os coreanos. Era bem o meio da década perdida, a era da inflação galopante do fim do governo militar e eu estava impressionado com o milagre econômico da Coreia.

Certo dia eu formulei a questão a um grupo de coreanos que aprendia alemão comigo no Goethe Institut em Mannheim em 1984: Como eles próprios compreendiam as razões do crescimento econômico da Coreia? Como um país pequeno, sem recursos naturais, dividido, em permanente estado de guerra podia apresentar toda aquela pujança econômica?

Eles mesmos não sabiam. Fiz diversas perguntas. Dentre muitas coisas, descobri como, ao contrário do Brasil, a indústria automobilística de lá havia estabelecido uma estratégia de desenvolvimento de marcas nacionais, e não de abertura às marcas americanas, como no Brasil. A Hyundai floresceu, a Gurgel faliu!

Chegamos, finalmente, à discussão sobre a educação.

Numa década em que a porcentagem de cidadãos com nível superior no Brasil batia algo em torno de 7%, descobri que na Coreia eram 33%. Mas como assim?

Foi então que descobri que a primeira escola pública na Coreia foi fundada há mais de 1600 anos, em 372 d.C. pelo Rei Sosurim de Koguryô, se chamava T'aehak (Grande Aprendizado ou Academia Nacional de Confúcio). Meus amigos coreanos foram unânimes em afirmar: a família, desde tempos imemoriais, dava extrema importância a que pelo menos um dos filhos tivesse formação universitária. E quando as finanças eram restritas, o pai elegia um dos filhos e o encaminhava ao curso superior. Então, toda a família se sacrificava para que o escolhido tivesse a oportunidade de se formar. Perguntei se eles não achavam que isto era uma injustiça com os outros irmãos que ficavam, muitas vezes literalmente no cabo da enxada, para que um deles se formasse. Me disseram que não. Por que aquele que havia tido mais oportunidades, tinha mais responsabilidades. Ao ter sucesso na vida profissional, deveria ser o responsável pela velhice dos pais e pelo apoio aos irmãos. Que este sentimento de responsabilidade era um peso que fazia dos estudantes coreanos serem extremamente responsáveis e comprometidos. A palavra usada por eles, em alemão, “fleiβig”. Trabalhavam duro, pois não poderiam falhar. Seria uma vergonha e a miséria para a família.

Voltei para o meu quarto no Studentenwohnheim pensativo. Que cultura é esta? Um sentimento do coletivo e da responsabilidade meio que desconhecidos em nossa cultura brasileira.

Lembrei-me destes fatos esta semana, por causa da greve que paraliza por mais de 50 dias 95% das Universidades Federais do País e deixa 1.600.000 alunos sem aula, bem como da discussão com Gustavo Ioschpe. Ele afirmou, no programa da Record, que a Coreia realizou o milagre da educação sem que o poder público investisse tanto na educação. A minha pergunta a ele neste blog foi: como comparar culturas tão distintas? E continuo, como quantificar as diferenças culturais no investimento em educação das famílias dos dois países? Fiquei pensando, qual é o custo social das festinhas dos estudantes? Na minha época eram apenas os embalos de sábado a noite. Hoje tem a sexta-feira negra, a quinta-feira sem lei, a segunda da revanche... Não são todos, nem sequer a maioria, mas quão distantes do sentimento grave de responsabilidade com os estudos da sociedade coreana!

Por que aqui, em especial para a imprensa, a escola e os professores são os únicos responsáveis pela falência da educação no País.

terça-feira, 3 de julho de 2012

Salário de professores e qualidade no ensino - resposta a Gustavo Iochope



"Que as minhas afirmações  não seguem um raciocínio lógico é absolutamente verdadeiro, ... eu faço pesquisa empírica, vou atrás de dados para mostrar como é a realidade..."

Gustavo Ioschpe, respondendo à acusação de que seus artigos na Veja são infundados e falaciosos, contra-argumenta com o que há de mais ultrapassado em epistemologia - o positivismo! Positivismo é o sonho filosófico de que a realidade externa ao homem é imutável e basta realizar experimentos que teremos acesso à realidade. Aliás, Roberto Justus não sabia, mas o Blog que diversos argumentos de Ioschpe são desmontados é o da professora Ana Maria Montardo e seu artigo pode ser acessado aqui.

Se Gustavo Ioschpe tivesse estudado um pouquinho mais (desculpe mas mestrado é muito pouco para alguém que se pretende pesquisador...), poderia ter a humildade de reconhecer que a questão epistemológica é um pouquinho mais complexa. Eu explico!

Epistemologia é a parte da filosofia que discute a questão fundamental da  ciência: o que garante a veracidade do conhecimento e da ciência? Os positivistas acreditavam, como Ioschpe, que os "dados" evidenciam a realidade de forma automática. A Física no século XIX também acreditava nisto. Aí, no século XX vieram a Mecânica Quântica, a Teoria da Relatividade, a Física de Partículas e  a Cosmologia com a Teoria do Big Bang, e a casa ruiu. Foi então que os físicos nos demos conta de que o papel das teorias é maior do que pensávamos... A coisa toda é simples. Gaston Bachelard, filósofo francês, resume a questão toda em uma frase:

"Atrás de toda teoria há um experimento, mas atrás de todo experimento há uma teoria"

O que quer dizer que, os pressupostos teóricos e minhas hipóteses antecedem a realização de experimentos.

Voltando à questão da educação. Ioschpe acha que possui dados infalíveis para afirmar que não há relação entre salário e qualidade da educação.

Utilizando qualquer manual de metodologia científica, descobrimos que  teremos de colher dados de acordo com uma plano de amostragem. Devemos isolar a questão em estudo de acordo com as variáveis do nosso problema. Aqui entram as nossas hipóteses. Que fatores são importantes e podem ter influência na qualidade da educação? Selecionamos os fatores, preparamos duas amostras em que todos os fatores são iguais exceto a questão do salário e, pimba, os dados falam por si!

Quem vai colocar o guizo no pescoço do gato?Sim, claro, como podemos isolar todos os parâmetros que influenciam a questão em estudo?

Como comparar Uzbequistão, Noruega, Suécia, Namíbia e Quênia? E as diferenças culturais, sociais, econômicas (de PIB inclusive) e políticas? Não influenciam? Mesmo a comparação da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo,

Os dados da Unesco, que Ioschpe tanto defende como prova cabal de seus argumentos, são imprestáveis. Não podem ser usados para defender a tese de que não há correlação entre investimento em educação e qualidade de ensino. Muito menos se referem à questão de salário dos professores e condições de ensino.

Em física experimental, nos deparamos frequentemente com a necessidade de planejar um experimento e isolar variáveis. Duas estratégias são recorrentes: a amostragem espacial e a temporal.

Procurar duas amostras separadas no espaço e que tenham as mesmas variáveis de controle em um dado instante OU medir a evolução temporal do mesmo sistema, mantidas as condições invariantes.

Sugiro que Ioschpe faça o seguinte experimento e colha os seguintes dados.
Como é impossível achar duas sociedades idênticas que tenham somente diferença no parâmetro "salário dos professores", sugiro que se utilize a segunda estratégia. Vamos tomar escolas na mesma cidade, mesma cultura, com distribuições estatísticas análogas nos vários parâmetros relevantes (como o social). Dividir em duas amostras, dando aumento de salário e melhoria de infra-estrutura para um grupo de escolas e não fornecendo para o outro grupo. Vamos verificar a evolução temporal e vamos fazer afirmações baseada em dados!

Ah, neste caso eu já sei a resposta!!!  Sim, as leis de mercado, a única Lei da área de estudos do Gustavo Ioschpe, nos permitem inferir que, com o tempo, haverá diferença mensurável entre os grupos.

Quanto tempo?  Não sei. A Espanha levou duas décadas de enormes salários para os jogadores de futebol, inicialmente só estrangeiros, para só agora atingir a hegemonia no futebol mundial! Não existe nenhuma solução mágica para o drama de nosso desafio na educação!

PS.:  Em um próximo post vou discutir outras propostas do Ioschpe.