quinta-feira, 12 de julho de 2012

Há esperança para a Universidade no Brasil?

Universität Duisburg - investimento alemão nos anos 80 para revitalização econômica da região metalúrgica do Ruhrgebiet

Era uma típica cantina alemã naquele dia ensolarado de abril de 1988. O professor Cid Velloso, reitor da UFMG estava em visita à Universität Duisburg e os três estudantes de doutorado brasileiros fomos convidados para um almoço de confraternização. Wagner Nunes, hoje do DF-UFMG, creio que já havia voltado ao Brasil, Waldemar do CDTN e eu estávamos presentes. Estava concluindo a redação de minha tese de doutorado, defendida há 24 anos atrás.

O decano do Depto de Física da Universidade de Duisburg (recentemente falecido Prof. Dr. Gernot Born) se vira para o reitor da UFMG: "Estamos bem impressionados. Temos recebido muitos estudantes da China e do Brasil para o doutorado em Duisburg. O sucesso dos brasileiros é 100%. Os chineses têm muito mais dificuldade. São muito esforçados, mas aparentemente não têm uma formação adequada."

O comentário para mim foi o reconhecimento de que a Universidade no Brasil possui um nível internacional. Desde aqueles anos turbulentos, a produção científica no País aumentou. Na minha geração de físicos, aqueles que continuaram na Universidade pública, atingiram o nível de produtividade científica de países de primeiro mundo. Vários de meus colegas hoje estão com algo em torno de 200 artigos por vota dos 50 anos de idade!

Esta qualidade teve um preço e, na minha oipinião, se cristalizou como consequência direta da política de ciência e tecnologia, resultante da criação do CNPq, nos anos cinquenta e da FINEP durante a ditadura militar, em 1967.

A segunda guerra mostrou ao país que tecnologia não se compra. O movimento para a articulação da política de desenvolvimento científico do País consolid-se a criação do CNPq, seguindo os moldes do CNRS na França e pode ser lido aqui. A iniciativa é do Ministério de Gustavo Capanema, da Educação e Saúde. Assim, no início dos anos 50, nasce o projeto de uma universidade  moderna, que se caracteriza por aliar ensino e pesquisa. Foi desconstruído o modelo das cátedras de conhecimento fossilizado, característica da educação no País até então.

Mas a excelência tem seu preço: a exclusão. O vestibular é a barreira, o ensino de qualidade é para poucos. É o investimento na criação de uma universidade que viabilizasse a criação de empresas com tecnologia embarcada, como a Embraer ou a Petrobrás.

A Universidade Pública no País é infinitamente superior a universidade particular em qualquer sentido que se queira avaliar. Aliás, como já observei em outro post, com a honrosa excessão das universidades confessionais, não há universidade particular que faça pesquisa científica e tecnológica na área de Física, Química e Engenharias no País.

Nos anos noventa, Fernando Henrique Cardoso e Paulo Renato decidem desconstruir este modelo. Argumento central: a maior parte do orçamento do MEC está comprometido com as Universidades. Congelam o número de vagas nas Universidades Públicas, congelam a realização de concursos públicos para professores (que se estendeu por 10 anos, com todas as consequências em termos de desestímulo de novos talentos para o setor...), restringem verbas para manutenção das universidades, criam um programa para baixar as exigências de criação de cursos superiores, incentivam a explosão de Faculdades Particulares, com o objetivo de desonerar o governo de seu compromisso com o ensino superior.

O governo Lula, contra tudo isto que está aí, decide pela ampliação da oferta de vagas no ensino superior público. Novas Universidades são criadas, o REUNI prevê a ampliação de vagas a todo custo. Explicitamente, exige o compromisso das Universidades com metas de baixa reprovação e evasão. De repente, um número enorme de concursos são abertos. Devido ao desestímulo dos anos FHC, hoje as Universidades Federais voltam a contratar mestres, e até graduados, em setores que desde os anos oitenta se exigia uma maior titulação e experiência em pesquisa.

Quais são os impasses?

1) O governo não investiu na infra-estrutura no mesmo ritmo da expansão da oferta. Diversas Universidades Federais criaram Campus fora de sede ou aumentaram suas vagas, sem laboratórios e salas de aula adequados, sem infraestrutura de pesquisa. O governo Lula/Haddad deixa uma herança maldita ao governo Dilma/Mercadante. O governo vai honrar o compromisso de investir na expansão da Universidade Pública com qualidade?

2) O governo não contratou o número necessário de novos professores. Atualmente, as vagas prometidas atualmente aguardam o prazo de seis meses de criação do FUNPRESP, que tira dos novos servidores públicos a aposentadoria integral. As consequências são: (i) salas de aula superlotadas, p.ex. de Cálculo I com 150 alunos, o que gera uma reprovação superior a 45%; (ii) duplicação do encargo didático dos professores.

3) O governo criou a Universidade Aberta do Brasil, que hoje está com mais de 800 polos, sem nenhuma institucionalização. Os professores recebem "bolsas" para trabalhar na UAB, os tutores são contratos de seis meses, não há continuidade e estabilidade nas regras e no financiamento do programa, os polos são precários e as prefeituras não tem honrado os compromissos com a qualidade de estrutura física e pessoal.

4) Tudo isto se soma a uma discussão sobre a carreira docente em meio a uma greve. Não devia ser assim em um governo que teve 10 anos para dizer a que veio.

Penso no que vi na Alemanha décadas atrás. A Universidade onde fiz meu doutorado era parte de um plano para revitalização econômica da região metalúrgica do Ruhrgebiet. Entrei em uma universidade com infraestrutura física moderna, com previsão de cargos C4 na carreira docente, suficientes para a implantação da Universidade, com laboratórios e infraestrutura de pesquisa adequados. O professor na Alemanha precisa de ter uma titulação superior ao doutorado, a Habilitação. Se torna então o chefe de um grupo de pesquisa, com auxiliares com  doutorado e técnicos que dinamizam a produtividade da Universidade.

Por aqui, o governo Dilma e a sociedade brasileira acreditam que podem prescindir de uma Universidade de Qualidade.

Presa no dilema Universidade Pública cara que ninguém quer pagar e a Universidade Particular sem qualidade, não vejo esperança para a Universidade Brasileira. Todos os caminhos apontam para o seu desmonte nos próximos 25 anos. O ambiente político, a insensibilidade da imprensa (vide comentários Record e SBT) e uma greve que serviu para consolidar a visão de desrespeito do governo com , não me parecem que tem o poder de reverter a situação.

2 comentários:

Anônimo disse...

Sou graduanda de Economia e militante na Universidade Federal da Paraíba. Aqui estamos vivendo dias de caos, se é que o termo se é que o termo dito condiz com tal situação. Além de estarmos em greve há mais de quarenta dias, estamos com superlotação, condições precárias e preocupados com a nossa formação. Como militante, acho lamentável o cale-se da população diante do caos na educação que estamos vivendo, não sou a favor de anarquismo, mas a população brasileira conseguiu o impeachment de um Presidente, porque não tentar reverter tal situação ? Parabéns pelo blog.

Ulisses Leitão disse...

Obrigado pelo incentivo. Lembranças à bela Paraíba!