quinta-feira, 1 de novembro de 2018

A imprensa supérflua



Desde que se afastou do modelo de imprensa baseado em fatos, para a imprensa baseada em opiniões, a imprensa tem se tornado cada vez mais desnecessária.

Interessante por que a imprensa se defende de supostos "ataques" como ataques à liberdade de pensamento, se arvorando em "arautos da liberdade", sem se dar conta que a liberdade de pensamento se estabeleceu na história ocidental a partir da liberdade de cátedra. "Eppur si muove" diz Galileu ao sair da audiência do tribunal da inquisição. Ou seja, a liberdade de pensamento tem mais haver com a defesa da dignidade da Universidade do que da liberdade de imprensa.

Entretanto, a centralidade da opinião, as quais possuem forte conteúdo ideológico, em detrimento dos fatos faz com que a imprensa se aproxime mais da inquisição religiosa do que do livre pensar. E o movimento da sociedade parece ser o de que, se é para ter opiniões exdrúxulas, inteiramente desconectadas dos fatos como as que temos visto na imprensa brasileira, em especial nas redes de televisão, então melhor ficar com a fakenews de estimação de cada um. Por isto o tempo de televisão não teve nenhuma influência no resultado das eleições. A imprensa se tornou supérflua.

Vamos a um exemplo concreto.
Os comentaristas da GloboNews estão cada vez mais desinformados. Assistindo ao jornal das de ontem, 31 de outubro, me deparo com mais duas pérolas da desinformação que tem sido a tônica da imprensa brasileira.

Ao comentar a indicação de Marcos Pontes para o Ministério da C&T a Cristiane Lobo afirmou:  "O candidato cumpre sua promessa de indicar nomes da sociedade com afinidade com a área". Fiquei pensando, Ciência e Tecnologia e Ensino superior... que afinidades um militar de carreira, piloto de caças, astronauta, tem com estas áreas? Nenhuma! Não possui doutorado, não ensina, não orienta teses e dissertações, não publica, não tem Currículo Lattes, não desenvolve tecnologias ou produtos e inovação, é apenas um excelente piloto de caças por 25 anos e trabalha no Programa Espacial pela sua especialidade como piloto. Portanto, é um estranho no ninho da C&T. Minha irritação maior é devido ao fato de se perceber o nível de senso comum demonstrado pelos jornalistas. Transfere-se para o astronauta-ministro uma característica que é da NASA como agência de fomento da tecnologia ligada à atividade aeroespacial e à Astronomia. O pior, sua escolha para o ministério tem menos haver com o fato de ser um cientista, que ele não é, quanto o de ser um militar alinhado com a cosmovisão do presidente eleito. Este fato nem sequer é mencionado!

Mas, pouco depois, Gerson Camaroti arredonda o non sense com a desinformação. Afirma que acha positivo que se tenha uma indicação "da área" pois, segundo ele, em verificação com Cristiana Lobo, nos governos Dilma e Lula teria houvido apenas um caso de indicação de cientista pela presidente Dilma.

Fiquei boquiaberto diante da fala de Camaroti. As lembranças me levaram ao ano de 1987... Fui o autor principal de um artigo que meu orientador apresentou na International Conference on Magnetism em Paris neste ano. Centrado fortemente no desenvolvimento de minha tese de doutorado, não fui à conferência. Meu orientador, ao retornar, me conta que num jantar com alguns cientistas participantes do evento, surgiu a discussão sobre a ciência no Brasil, País emergente, recém saído de longos 21 anos da ditadura militar. Alguém pergunta quem seria o maior cientista brasileiro da área de Magnetismo. Meu orientador me contou que houve rapidamente um consenso: Sérgio Machado Resende, da Universidade Federal de Pernambuco.

Sérgio Machado Resende, Ministro da Ciência e Tecnologia de 2005 a 2010, um dos mais longevos da pasta. Cientista de renome internacional, mais de 250 artigos científicos publicados, incluindo Physical Review Letter e Nature as maiores revistas acadêmicas da área, foi inteiramente esquecido por @cristilobe e @gcamaroti.

E eu me pergunto, para que serve uma imprensa que é pródiga em emitir opiniões, desinforma e não me surpreende com fatos?