domingo, 24 de dezembro de 2017

Naquele ano, não houve Natal...


Natal sempre foi a maior festa naquela família de 12 filhos.
Papai, um pastor da Igreja Presbiteriana, cultivava o momento de Natal em família como um momento especial de meditar sobre o significado da vida, o propósito de nossa existência, o reconhecimento da dimensão espiritual de nossas vidas. Para as crianças, o mais importante era acordar no dia seguinte descobrindo o que havia ao pé da cama, junto às meias... os presentes de Natal.

Mas naquele fatídico ano de 1972, não houve Natal...

Minhas lembranças são esparsas, borradas. Com meus 13 anos, ainda não participava dos assuntos familiares. Desde o início do mês, a notícia caíra como bomba sobre a família. Mirinha, minha irmã à época com meros 19 anos, fora presa em Vitória pelas forças da repressão em plena Ditadura Militar. A notícia foi trazida pelos pais de Marcelo Netto, seu companheiro. Lembro da angústia de minha mãe nos dias sem notícias de seu paradeiro. Lembro das conversas a voz baixa... da agitação de meu tio Boanerges, advogado e pastor evangélico, em seus esforços para localizar a prisioneira nos porões da Ditadura. Cada dia sem notícias, era um prolongar da angústia.

Não me lembro bem se já havia notícias de seu paradeiro na época do Natal. Mas, ainda presa, deixava um vazio e uma apreensão angustiosa no ar da família. Naquele ano, não houve Natal.

Hoje, quarenta e cinco anos depois, a leitura do impressionante livro de Matheus Leitão, segundo filho de Miriam e Marcelo, contando a história de sua busca por elucidar a história de seus pais, me trouxe as lembranças do ano sem Natal. O livro conta a odisséia jornalística de Matheus na busca dos documentos do Inquérito Policial Militar movido contra seus pais, seu emocionante encontro com o torturador Coronel Carlos Alberto Ustra - hoje defendido de forma irresponsável por Bolsonaro -, sua indescritível entrevista com Foebes Soares, o dirigente do Partido Comunista do Brasil que entregou os companheiros no Espírito Santo e que precipitou a derrota do PCdoB e da guerrilha do Araguaia. Quando vejo hoje jovens brincando de forma alienada com a possibilidade de candidatura de um político irresponsável que nega e faz piadas com a tortura, incentiva ideias machistas de estupro como se fosse algo para se fazer piada... hoje quando vejo pessoas no Facebook externando o pensamento de que "foram torturados por que eram comunistas", como se uma jovem de 19 anos, cheia de sonhos e rebeldia, fosse real perigo ao Estado e justificasse a sua tortura... fico pensando na tragédia de um País que não resolveu enfrentar os anos sombrios de sua história.

A história que não enfrentamos pode engendrar erros que podemos repetir. Lutaremos para que a tragédia nunca mais se repita. Ditadura Militar nunca mais...

7 comentários:

Wagner M. Martins disse...

Bravo, Ulisses! Vi isso e acompanhei de perto esse sentimento

Nana Camarão disse...

Nunca mais.
E meu beijo carinhoso, repleto de RESPEITO à familia Leitão.
Miriam, eu, meus filhos e netos, amamos você.

jose pipa rodrigues disse...

É interessante como jovens alienados e sem qualquer conhecimento da triste história recente deste país, postam nas redes sociais apoio à volta da repressão e o endeusamento de figuras fétidas como Bolsonaro, entre outros. Tivessem eles vivido um único dia daqueles tristes dias e fossem apanhados com um livro de capa vermelha ( mesmo que fosse a sagrada bíblia)pelos "heróis de verde oliva" ( plagiando os "intelectuais atuais...sic" Fausto Silva e Pedro Bial), entenderiam eles entender e interpretar o que encontra-se escrito nesse livro; mas não se fazem mais jovens como antigamente...

jose pipa rodrigues disse...

É interessante como hoje, jovens alienados e sem qualquer conhecimento da triste historia recente deste país, postam nas redes sociais apoio à volta da repressão e ao endeusamento de figuras fétidas como Bolsonaro, entre outros. Tivessem eles vivido um único dia, daqueles dias, e tivessem sido apanhados com um livro de capa vermelha ( nem que fosse a santa bíblia) pelos "heróis de verde oliva" ( plagiando os "intelectuais televisivos Fausto Silva e Pedro Bial), entenderiam eles o que encontra-se escrito nesse livro. Mas, não se fazem mais jovens como antigamente...

Ulisses Leitão disse...

Wagner, Nana e José Pipa, obrigado pelos comentários. A plataforma não é muito interativa, mas mantenhamos contato!

Anônimo disse...

Tua mãe era da baderna,Se juntava a guerrilheiros que assaltavam bancos e veme dizer ditadura nunca mais? Que voltem com força total, pois é de gente Como a sua mãe foi que está acabando com o Brasil.

Ulisses Leitão disse...

O comentário anônimo acima deveria ser excluído pelas regras do blog. Mas deixo-o como exemplo da irracionalidade da direita revanchista sem memória histórica que volta a se revelar no País.