segunda-feira, 4 de julho de 2011

Dom Quixote de Juiz de Fora


Era uma manhã fria de primavera de 1974. Eu subia célere a ladeira para o Colégio Estadual José Augusto Ferreira, em Caratinga. Estava quase na hora de "bater o sinal". As eleições se aproximavam. Eu, com 15 anos, não votaria, mas acompanhava excitado as idas e vindas do processo eleitoral. O primeiro depois da violenta repressão que prendeu estudantes e professores em 72-73.

José Augusto Ferreira Filho, que dava o nome ao colégio onde eu estudava era o cacique político hegemônico na região de Caratinga. Um político às antigas.
Certo dia, na década de 50, entra em nossa casa e pede apoio explícito para sua eleição. Papai esclarece que, como pastor evangélico, se opunha à declaração de voto para não influenciar aqueles que acreditavam em sua missão evangélica.
Jesus, certa vez, disse aos seus discípulos: " Quem não é contra nós, é por nós". O Deputado, em sua arrogância, muda a frase de Jesus: "Quem não é comigo, é contra mim". Ali iniciam-se perseguições políticas que o pastor evangélico, negro, pobre, diretor da mais antiga escola da região, teria de enfrentar durante décadas.

A estratégia dos militares criou Arena 1 e Arena 2, visando apaziguar divergências regionais. José Augusto, como Arena 1 (antigo PSD), escolhido Senador Biônico pelos militares em 1972, era candidato è "re-eleição". Seu oponente, um obscuro ex-prefeito de Juiz de Fora, Itamar Franco.

Dez anos de ditadura, efervecia a repressão, a oposição acuada. Itamar disputa a vaga ao senado, numa época em que ninguém queria ser candidato. Rumores davam conta de que a oposição poderia vencer o pleito. Minha excitação naquela manhã era enorme.  Já pensou, o senador arrogante vencido, com militares e tudo?

Bate o sinal, acelero os meus passos, remoendo minha expectativa.

Bem ao estilo Dom Quixote que o celebrizou, Itamar vence os moinhos, derruba no voto o cacique regional e a ditadura militar sofre um enorme racha que dispara o processo de abertura. Hoje, penso que se outro estivesse lá, também teria vencido. Mas precisa que um seja o louco Dom Quixote. Itamar foi o nosso Dom Quixote em 74.

Como disse Gustavo Krause, "Defeitos, quem não os tem?". Mas Itamar me deu a minha primeira lição de democracia.

Obrigado, Itamar.

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