Epistemologia
do jornalismo
Certa vez,
discutindo com um sobrinho jornalista sobre uma notícia tendenciosa
em uma rede de TV, ele procurou justificar a atitude de sua colega
com a desculpa de que seria apenas um pequeno erro. Minha resposta
define o que acho seja o maior problema do jornalismo nacional: “A
questão não é de erro ou acerto, a questão é de posicionamento.
A questão é epistemológica. A questão é política”.
Passo a explicar.
Em minha graduação
em Física, houve uma disciplina que até hoje influencia minha visão
de mundo: A Epistemologia de Gaston Bachelard, na Fafich-UFMG, com o
prof. Ricardo Fenati. Bachelard, em seu livro Novo Espírito
Científico nos ensina que a velha disputa entre o Idealismo e o
Empirismo Positivista não dão conta das transformações da Física
Moderna. O positivismo ensinando que toda a fundamentação do
conhecimento científico está na experiência, no fato científico.
O idealismo dizendo que a estrutura conceitual é que possui
realidade. Ao contrapor ambas as correntes epistemológicas,
Bachelard relembra que “atrás de
cada Teoria há um experimento, mas atrás de cada experimento há uma
teoria”. Na busca do conhecimento científico, só
experimentamos aquilo para o qual temos um arcabouço conceitual que
dê significado ao expeimento.
Pois bem, se a
Física, uma das coroas da visão positivista da ciências naturais
do século XIX, admite hoje que há uma relatividade no
conhecimento, pois ao aproximar do fato científico, não o fazemos
nús, mas vestimos os óculos de um posicionamento teórico prévio,
o que podemos dizer da pretensa defesa do jornalismo que se julga
capaz de separar o seu posicionamento ideológico do fato
jornalístico que pretende descrever?
Para mim a resposta
é muito simples: “É impossível! O jornalista sempre há
de ler o fato jornalístico a partir de seus pré-conceitos”.
Assim, se os óculos são azuis, tudo parecerá azul, mas se os
óculos forem cinzas, não haverá cor que ilumine o seu texto dito
jornalístico.
Para efeito
didático, deixe-me exemplificar com um inocente texto da jornalista
Lydia Medeiros, do Poder em Jogo – Jornal O Globo, publicado
ontem, dia 9 de setembro de 2017.
“Socorro
Federal para universidades e institutos
O
Ministério da Educação liberou esta semana R$ 1 bilhão para
universidades e institutos federais. Desde o início do ano foram
repassados para as instituições federais de ensino R$ 5,27 bilhões.
Dá um fôlego aos reitores dessas universidades que, no entanto,
ainda não aderiram à lei de transparência sobre o dinheiro
público. A legislação já tem 15 anos em vigor.” Lydia
Medeiros, Poder em Jogo, 9/9/2017.
O que há de errado
neste curto comentário? Tudo! A começar pelo título...
Ao utilizar a
expressão “Socorro Federal” a jornalista induz o
leitor a uma interpretação inteiramente equivocada dos fatos.
Socorro, como o socorro ao Estado do Rio, induz a interpretação de
má gestão das instituições federais de ensino e esconde o fato de
que o governo Temer impôs um corte brutal no orçamento das
Universidades1
e Institutos. As verbas de custeio estão sendo liberadas em parcelas
de um dezoito avos. Como, pelo que me consta, o ano tem apenas doze
meses, isto equivale a um corte linear de 33% do orçamento. As
verbas de investimento estão sendo liberadas em um setenta e dois
avos, como se o ano se estendesse por 6 longos anos... Portanto, não
se trata de socorro para cobrir a má administração, mas de corrigir um erro grosseiro da administração federal e evitar
o total colapso que a medida draconiana de corte linear está causando.
O mais espantoso é
o desprezo pela realidade que a jornalista quer veicular.
O que significa o
corte no investimento? Ora, as Universidades são instituições
quadricentenárias que possuem processos de decisão em colegiado que
extrapolam as decisões de efeito imediato. A criação de um curso
de Medicina, por exemplo, envolve gastos de investimento por um
período mínimo de dez anos, pois envolvem a implantação desde
laboratórios de anatomia para os anos iniciais até clínicas
especializadas e hospital escola para os anos finais e residência
médica. Diversas cursos de Medicina foram criados nos últimos anos para evitar o colapso do atendimento médico da população. O corte linear não inviabiliza apenas o início de novos
projetos, compromete o atendimento aos projetos em andamento. Portanto
é uma decisão burra que desorganiza as Instituições de Ensino.
Quanto desta
realidade é evocada no texto da jornalista? Nada! Ela prefere
veicular a observação maliciosa, inverídica e completamente
desconectada do texto, de que as Universidades Federais “ainda
não aderiram à lei de transparência”. O
mais grave nesta declaração, é que ela é falsa e tem como única
finalidade denegrir a imagem das instituições públicas de
forma gratuita. A lei de
transparência de 2000, atualizada pela Lei Complementar 131/2009
não menciona a Universidade, cujo orçamento está englobado no
orçamento da União. Todos
os processos e gastos das Instituições Federais estão há anos no
portal transparência. E mais
importante do que a Lei de Transparência, é a Lei de Acesso à
Informação, Lei no. 12.527/2011.
Nos sites das Universidades, por padrão, você tem acesso ao serviço
de Informação ao Cidadão e à Ouvidoria. Os salários dos
servidores estão disponíveis
no site de transparência do
Executivo. Todas
as compras e contratações são realizadas em acordo com a Lei
8.666/93 e podem ser consultadas diretamente nos sites das
Universidades. Muito antes ao contrário do que afirma a jornalista, atualmente, em desrespeito à autonomia universitária estabelecida no Art. 204 da Constituição, a Procuradoria Federal está dentro das Universidades Federais, sem subordinação ao Reitor, como uma intervenção permanente. Como Chefe do Departamento de Ciências Exatas da
Universidade Federal de Lavras e membro do Conselho Universitário,
posso garantir que a Universidade possui formas de controle interno,
sendo que as atas das reuniões dos conselhos superiores, bem como as
portarias e despachos da administração executiva da Universidade são
públicos e podem ser encontrados nos sites da Instituição.
O caso mais complexo é aquele em que eventualmente a direção executiva da Universidade está em conluio com a Procuradoria Federal na instituição. Como o caso Miller na PGR está demonstrando, nesta situação cabe aos orgãos de controle da Procuradoria Federal identificar e investigar eventuais irregularidades, já que a denúncia de qualquer servidor da Universidade pode dar origem a retaliações em que o servidor é um elo desprotegido.
O caso mais complexo é aquele em que eventualmente a direção executiva da Universidade está em conluio com a Procuradoria Federal na instituição. Como o caso Miller na PGR está demonstrando, nesta situação cabe aos orgãos de controle da Procuradoria Federal identificar e investigar eventuais irregularidades, já que a denúncia de qualquer servidor da Universidade pode dar origem a retaliações em que o servidor é um elo desprotegido.
Note
que todas as iniciativas são resultado de processos iniciados no
Governo FHC, que foram aprofundadas nos governos Lula. Acima
dos confrontos partidários, são conquistas da Sociedade Brasileira.
Portanto, a colunista do
Jornal O Globo está fazendo uso do que passou a ser considerado o
Jornalismo Declarativo, que não checa as suas informações e
veicula informações falsas. Ou seja, a jornalista fala a partir de
seus próprios pré-conceitos, de forma desconectada com a verdade.
Não há fundamentação
epistemológica para este tipo de jornalismo.
E, diga-se de passagem, nada
pior para sociedade do que um jornalismo desconectado da verdade.
Mas
este não é um caso isolado. A forma obscurantista com que a linha
editorial do Jornal O Globo trata a Universidade Pública é, no
mínimo, irresponsável. A Universidade Pública é um bem da
Sociedade Brasileira. Como professores e pesquisadores, os docentes
têm imenso receio em afirmar posições infundadas. Esta é a visão
acadêmica. Mas, aparentemente, o jornalismo no Brasil há muito
perdeu o receio de realizar declarações inverídicas.
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