Parecia uma Torre de
Babel. Tinha gente de todo mundo, todas as culturas, todas as
línguas. A elite árabe
representava a única cultura que não me despertou interesse. Tive
amigos italianos, suíços, gregos, chineses, iuguslavos (não havia
ocorrido a separação servo-croata), africanos, principalmente de
Sierra Leoa e Gana, judeus e palestinos. Mas papo-cabeça mantive
mais com os coreanos. Era bem o meio da década perdida, a era da
inflação galopante do fim do governo militar e eu estava
impressionado com o milagre econômico da Coreia.
Certo dia eu formulei a
questão a um grupo de coreanos que aprendia alemão comigo no Goethe
Institut em Mannheim em 1984: Como eles próprios compreendiam as razões do
crescimento econômico da Coreia? Como um país pequeno, sem recursos
naturais, dividido, em permanente estado de guerra podia apresentar
toda aquela pujança econômica?
Eles mesmos não
sabiam. Fiz diversas perguntas. Dentre muitas coisas, descobri como,
ao contrário do Brasil, a indústria automobilística de lá havia
estabelecido uma estratégia de desenvolvimento de marcas nacionais,
e não de abertura às marcas americanas, como no Brasil. A Hyundai floresceu, a Gurgel faliu!
Chegamos, finalmente, à
discussão sobre a educação.
Numa década em que a
porcentagem de cidadãos com nível superior no Brasil batia algo em
torno de 7%, descobri que na Coreia eram 33%. Mas como assim?
Foi então que descobri
que a primeira escola pública na Coreia foi fundada há mais de 1600 anos,
em 372 d.C. pelo Rei Sosurim de Koguryô, se chamava T'aehak
(Grande Aprendizado ou Academia Nacional de Confúcio). Meus amigos
coreanos foram unânimes em afirmar: a família, desde tempos
imemoriais, dava extrema importância a que pelo menos um dos filhos
tivesse formação universitária. E quando as finanças eram
restritas, o pai elegia um dos filhos e o encaminhava ao curso
superior. Então, toda a família se sacrificava para que o escolhido
tivesse a oportunidade de se formar. Perguntei se eles não achavam
que isto era uma injustiça com os outros irmãos que ficavam, muitas
vezes literalmente no cabo da enxada, para que um deles se formasse.
Me disseram que não. Por que aquele que havia tido mais
oportunidades, tinha mais responsabilidades. Ao ter sucesso na vida
profissional, deveria ser o responsável pela velhice dos pais e pelo
apoio aos irmãos. Que este sentimento de responsabilidade era um
peso que fazia dos estudantes coreanos serem extremamente
responsáveis e comprometidos. A palavra usada por eles, em alemão,
“fleiβig”.
Trabalhavam duro, pois não poderiam falhar. Seria uma vergonha e a
miséria para a família.
Voltei para o meu
quarto no Studentenwohnheim pensativo. Que cultura é esta? Um
sentimento do coletivo e da responsabilidade meio que desconhecidos
em nossa cultura brasileira.
Lembrei-me destes fatos
esta semana, por causa da greve que paraliza por mais de 50 dias 95% das Universidades
Federais do País e deixa 1.600.000 alunos sem aula, bem como da
discussão com Gustavo Ioschpe. Ele afirmou, no programa da Record,
que a Coreia realizou o milagre da educação sem que o poder público
investisse tanto na educação. A minha pergunta a ele neste blog
foi: como comparar culturas tão distintas? E continuo, como
quantificar as diferenças culturais no investimento em educação
das famílias dos dois países? Fiquei pensando, qual é o custo
social das festinhas dos estudantes? Na minha época eram apenas os
embalos de sábado a noite. Hoje tem a sexta-feira negra, a
quinta-feira sem lei, a segunda da revanche... Não são todos, nem
sequer a maioria, mas quão distantes do sentimento grave de
responsabilidade com os estudos da sociedade coreana!
Por que aqui, em
especial para a imprensa, a escola e os professores são os únicos
responsáveis pela falência da educação no País.
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